Metamorfoses Históricas: História, livros, músicas, cinema e motos!

Metamorfoses Históricas: História, livros, músicas, cinema e motos!



sábado, 14 de janeiro de 2012

Público e privado nos tempos do jornal!!

Nos dias de hoje o mundo virtual com suas comunidades e redes sociais transpõe de maneira significativa o mundo privado e público. Para muitas pessoas (e no Brasil este é um fenômeno) expor sua vida privada para a rede mundial não é problema algum, sendo parte das vivências do cotidiano. O microblog é um exemplo disso da necessidade de exposição e aumento do número de amigos virtuais. 
Em tempos passados o jornal era a forma que algumas vezes a fronteira entre o privado e o público era rompida e circulavam assim as sujeiras e intrigas familiares. O artigo abaixo é um exemplo deste tipo de situação, em que a informação não era assim instantânea e o público atingido era bem inferior que hoje nos tempos da globalização da informação. 

Roupa suja se lava no jornal

Documentos do século XIX encontrados na Biblioteca Nacional expõem briga de família para folhetim novelista nenhum botar defeito, antecipando promiscuidade entre público e privado à altura dos tempos de Twitter e Facebook

Lia Jordão    9/1/2012
Indignado com a traição da mulher com o genro, José da Cunha expôs publicamente as mazelas da família. Acima a charge
Indignado com a traição da mulher com o genro, José da Cunha expôs publicamente as mazelas da família. Acima a charge

“Annuncio de Antonio José da Cunha” e a “Resposta ao annuncio” por Bernardo José da Costa, impressos por encomenda dos autores na Imprensa Imperial e Nacional, circularam em 1826. Encartados no Diário Fluminense com uma semana de diferença, os documentos contam uma briga de família de folhetim para novelista nenhum botar defeito. Também antecipam a promiscuidade entre público e privado à altura dos tempos de Facebook ou Twitter.
Tudo começa com a publicação do libelo de Antonio José. Danado da vida com o que chamou de “execrável profanação”, divulga um rol impressionante de improbidades cometidas contra sua pessoa por sua esposa, seu genro e sua filha. Explica que, após ausência de três anos, retorna à Corte e ao lar e encontra sua mulher grávida do genro! Este, por sua vez, havia “violado a pudicícia” de sua filha, com quem acabou se casando para reparar o malfeito.
 Com profunda dor de cotovelo, Antonio se esmera na descrição de seus desgostos: sua esposa, “esquecida dos sentimentos de pudor, o mais belo ornamento de seu sexo, quebrou a união conjugal, e que fora seguida de sevícias e (...) escandalosas libertinagens”. Seu sofrimento era tamanho que “as lágrimas involuntariamente corriam de seus olhos”! O leitor quase se solidariza com o infeliz, injustamente “lançado à desonra pública”. Não bastasse, o marido traído acusa a família de se unir para matá-lo, asfixiando-o com um pau e aproveitando sua vulnerabilidade momentânea para derrubá-lo escada abaixo, sem dó nem piedade. Felizmente, Deus fez a sua parte e ele escapou da morte.  Em seguida, a família saqueia sua casa, levando as pratarias e objetos de valor. E ainda foge para providenciar o aborto da criança e dar sumiço às provas do adultério.

A indignação do marido vai explodir quando, “buscando o caminho das leis, persuadido de que só nelas o cidadão encontra segurança”, se vê diante de um Tribunal “insensível às suas lágrimas e indiferente à causa dos bons costumes”. É a gota d’água! Ele decide que, “se o Altar da Justiça foi só para proteger o crime tão funesto na ordem da sociedade, eu os deixarei entregues à opinião pública, que os conhece e detesta...”. Tenta desmoralizar o sistema jurídico, dizendo que este se valeu de falsos testemunhos para contradizer a acusação, recrutando “mulheres corrompidas e cúmplices”. Além disso,questiona a legitimidade da sentença, uma vez que, segundo ele, tinha tido parecer favorável do próprio imperador.

Corno ou caluniador?
O outro lado da história aparece na semana seguinte, quando o genro conta sua versão usando os mesmos meios do sogro. Encarta no jornal sua “Resposta”, desmentindo todas as acusações do “caluniador” e trazendo novos elementos para o enredo.
Conta que seu casamento com a filha, “a quem ternamente ama”, foi absolutamente legítimo e contou com a aprovação do pai, que inclusive deu como presente de casamento dois escravos, e os convidou para viver em sua casa. E que em hipótese alguma praticaria o abominável “adultério incestuoso” com sua sogra, bem como o aborto do suposto feto. Segundo Bernardo, foi ganância a origem de todo o mal: seu sogro – “chefe cabeçudo, teimoso e insolente” – quis obrigar a esposa a assinar um papel em branco que lhe permitisse  dilapidar o patrimônio familiar e ir embora com o dinheiro.
Bernardo nega veementemente a acusação de tentativa de assassinato. Relata que foi o próprio caluniador que chegou à casa, diante da recusa da esposa a assinar o papel, “levando o seu danado espírito de raiva e impróprio do sexo varonil, qual foi – o entrar a fazer bulha em casa com um pau de machado e ao mesmo tempo gritar (...) contra a mulher, filha, e genro, que o matavam....”. E solta o verbo sem pudor: “Endiabrado homem! Manhoso! Embusteiro!”. Aproveita também para refutar a acusação de roubo.
O genro encerra com eloquência: “Em poucas palavras: Antonio José da Cunha esteve em Santos quatro anos menos quatro meses, vivendo como ele quis, sem querer saber da família que aqui deixara; sem lhe mandar socorro algum para a sua subsistência; precisando sua mulher e filha lavar e engomar roupas de estranhos para viverem.” Ora, quem vai à roça perde a carroça, amigo!
Diante de tal discrepância de relatos, não seria possível tomar partido. Afinal, apesar de ambos apelarem para o juízo da opinião pública, diz o ditado que em briga de marido e mulher não se mete a colher. Mas que a fila anda, anda...

9 comentários:

  1. Adorei o texto, sempre achei a história cotidiana fascinante.. Acabo de comprar a coleção História da Vida Privada.. Quando começar a ler vou postar novidades no blog..Parabéns pelo post professor..

    ResponderExcluir
  2. Com certeza foi uma excelente aquisição e existe também a versão brasileira, que também vale a pena conhecer, pesquisar e ler, dentro das possibilidades.
    A vida cotidiana é um campo rico para explorarmos outras história, possibilitando assim aproximar a história com as diferentes realidades.

    ResponderExcluir
  3. Opa, posso ser redimida dos meus Laurentino Gomes então?! Haha, não sabia da versão brasileira.. Vou dar uma olhadinha assim que possível, por enquanto ainda preciso de um bom tempo de leitura para estes que comprei.. Devagar e sempre, que só faltam 23, hahaha.. Gosto de usar o cotidiano para aproximar os alunos da grade escolar, sempre ajuda.. Aprendi com um professor de Teoria da História sabe?! hahaha..

    ResponderExcluir
  4. A História da Vida Privada no Brasil é percorre vários momentos de nossa história e como você trabalha com a história do Império pode haver ali uma séries de questões que podem lhe interessar e com certeza é uma fonte de consulta algumas centenas de vezes melhor que o teu amigo Laurentino!!!!

    ResponderExcluir
  5. Por favor, não vamos entrar nessa polêmica assim em público neh, haha.. Valeu a dica..

    ResponderExcluir
  6. As polêmicas são fundamentais no desenvolvimento intelectual e histórico. Temos centenas de exemplos de polêmicas que proporcionaram inovações e mudanças nos saberes de diferentes campos do conhecimento cientifico. A opção por fontes e bibliografias sempre deve ser discutida, ainda mais neste tempo em que vivemos que a muitas publicações envolvendo a história, mas muitas acabam não sendo úteis ao trabalho do historiador.

    ResponderExcluir
  7. Sem dúvida, mas tive um professor severíssimo quanto a escolha de fontes, a importância de serem fiéis e citadas, não se preocupe, eu sei até onde posso ir no meu Laurentismo, confie em mim. Mas como as fontes mudam, os conceitos mudam, quem sabe algumas idéias fechadas sobre jornalistas metidos a historiadores também mudem né?! Hahaha.. Não se preocupe, sabe que serei responsável seja qual for a minha fonte, eu duvido até de um Le Goff se for necessário, haha..

    ResponderExcluir
  8. Esse teu professor deve ser muito elogiado então, se conseguiu passar estes conhecimentos a você e os demais colegas (risos). A questão não é pessoas, entre elas jornalistas, escreverem sobre a história, até porque muitas vezes estão fazendo aquilo que nós historiadores não estamos conseguindo fazer. O ponto é o excesso de peso midiático dado a certas publicações, enquanto outras acabam sendo ignoradas. Isso tanto pelo mídia como pelas próprias editoras ao definirem os valores dos exemplares: comprar um livro de história (mais acadêmico) paga-se um valor duas, três ou quatro vezes maior que um livro escrito por um não historiador. Obviamente isto causa impacto nas listas dos mais lidos e acaba repercutindo muito mais na internet ou programas televisivos de entrevistas. A história deve ser de acesso a todos, mas com os devidos cuidados, pois a muita coisa sendo colocadas em "guias" e obras do gênero que muito mais distorcem os fatos e processos históricos que qualquer outra coisa.

    ResponderExcluir