No mundo contemporâneo que vivemos, as diferenças entre as condições de acesso e vida das pessoas ao longo do mundo são gigantescas. Enquanto uns são chamados de heróis por serem confinados em uma casa e viverem tranquilamente sendo vigiados, outros são confinados embaixo da terra ou em fábricas em condições mais que sub humanas de exploracão.
Enquanto alguns ganham milhões para correrem atrás de uma bola e financiarem suas festas e desejos de consumo, outros milhões tentam ganhar o minímo para a sua alimentação, para tentarem sobreviverem mais um dia.
Contrastes de um sistema econômico que suga a vida de milhões em prol do bem estar de poucos. O exemplo abaixo é um de tantos que existem pelo mundo afora e com certeza no Brasil também.
04/03/2013
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05h00
Apesar das leis, crianças trabalham em minas da Índia
GARDINER HARRIS DO "NEW YORK TIMES"
Khliehriat, Índia
Khliehriat, Índia
Depois de descer 20 metros num poço escuro e úmido com a ajuda de uma
escada bamba de bambu, os mineiros adolescentes entraram num buraco de
60 centímetros de altura e se arrastaram por 90 metros de lama, para
então começarem seu dia de trabalho, escavando carvão. Eles usavam
camisetas, calças semelhantes a pijamas e botinas de borracha. Não havia
um capacete ou bota de ponteira de aço à vista. Eles amarraram panos
nas cabeças para prender faroletes e taparam seus ouvidos com pano.
Passaram o dia inteiro olhando a morte de frente.
A Unicef revela que, faltando dois meses para a implementação de uma lei
de 2010 que determina a obrigatoriedade de todas as crianças indianas
entre seis e 14 anos de idade frequentarem a escola, cerca de 28 milhões
delas trabalham. Crianças e adolescentes trabalhadores são vistos em
toda parte: em lojas, cozinhas, fazendas, fábricas e canteiros de obras.
"Neste país temos leis muito boas", comentou Vandhana Kandhari,
especialista da Unicef para a proteção infantil. "O problema está na
implementação das leis."
A pobreza, a corrupção, as escolas decrépitas e a escassez de
professores estão entre as causas da situação, e não existe um exemplo
melhor do problema que as minas do tipo "toca de rato" do Estado de
Meghalaya, que parecem ter saído de um romance de Charles Dickens.
Meghalaya fica no isolado nordeste da Índia, uma área comprimida entre a
China, o Butão, Bangladesh e Mianmar. A maioria de sua população é
tribal e cristã. Os idiomas falados, a comida e as feições das pessoas
parecem tão chineses quanto indianos.
Suresh Thapa, 17, contou que trabalha nas minas "desde criança" e prevê
que seus quatro irmãos façam o mesmo. Ele e sua família vivem num
barraco minúsculo, feito de paus e lona, perto da mina.
"Se eles não forem para as minas, que outro trabalho podem ter?" disse a
mãe de Suresh, Mina Thapa. "Precisamos que eles trabalhem. Ninguém vai
nos dar dinheiro. Precisamos trabalhar e nos alimentar."
A lei indiana de 1952 referente às minas proíbe o trabalho de menores de
18 anos em minas de carvão, mas o patrão de Suresh, Kumar Subba,
declarou que crianças trabalham nas minas de toda a região.
Kuni Takahashi/The New York Times | ||
Uma lei indiana que em breve entrará em vigor torna a frequência escolar obrigatória, mas, em vez de estudar, 28 milhões de crianças e adolescentes trabalham; mineiro estuda durante uma hora de folga |
"As crianças que trabalham são principalmente as que são órfãs", falou
Subba, que supervisiona cinco minas e emprega 130 pessoas. Ele admitiu
que as condições nas minas dele e de outras pessoas na região são
perigosas. Suas minas pertencem a uma mineradora estatal, afirmou.
"Pessoas morrem o tempo todo. Você toma o café da manhã, vai trabalhar e
não volta mais. Muitos já morreram assim."
Embora o governo indiano tenha leis que proíbam o trabalho infantil e as
condições de trabalho inseguras, a implementação das leis cabe aos
Estados, na maioria dos casos. A polícia indiana é subordinada à
política, de modo que são raras as operações de repressão a setores
sancionados por figuras poderosas.
"O trabalho infantil continua em Meghalaya porque é permitido por
aqueles que estão em posições de poder e autoridade, e a mesma coisa se
dá em toda a Índia", declarou Shantha Sinha, presidente da Comissão
Nacional para a Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Em 2010, a Impulse, organização não governamental com sede em Shillong, a
capital de Meghalaya, relatou ter encontrado 200 crianças trabalhando
em dez minas locais. Algumas tinham apenas cinco anos. O grupo estimou
que até 70 mil crianças e adolescentes trabalhem em cerca de 5.000
minas.
As descobertas do grupo levaram à publicação na mídia indiana de imagens
de crianças pequenas trabalhando sob condições pavorosas. Autoridades
públicas negaram a existência de qualquer problema de trabalho infantil.
Seguiram-se investigações da Comissão Nacional para a Proteção dos
Direitos da Criança e do Adolescente, além do Instituto Tata de Ciências
Sociais, um dos mais respeitados institutos independentes de pesquisa
da Índia. Ambas as instituições confirmaram a presença de trabalhadores
infantis. O grupo Tata descobriu 343 crianças de até 15 anos trabalhando
em 401 minas e sete depósitos de carvão.
Bindo M. Lanong, o vice-ministro chefe de Minas e Geologia do Estado de Meghalaya, refutou as descobertas.Várias minas visitadas em Meghalaya não tinham ventilação e possuíam uma
única entrada. Elas não obedeciam a nenhum plano operacional, não
usavam calcário para reduzir os riscos de explosões e tinham escoras de
teto mínimas. As escadas de bambu eram estruturalmente frágeis e exigiam
que os mineiros andassem de lado, para não caírem.
De acordo com o relatório do instituto Tata, os gerentes das minas têm
dificuldade em encontrar trabalhadores em número suficiente, mesmo
oferecendo salários altos. Por isso, menores de idade e outros
trabalhadores são trazidos do Nepal e de Bangladesh, por meio de redes
informais descritas por críticos como redes de tráfico humano. Muitos
acabam virtualmente presos: embora os salários sejam altos, as
operadoras das minas cobram valores altíssimos para levar água, comida e
outros bens essenciais aos acampamentos de mineiros. Muitas crianças e
adolescentes que trabalham nas minas não conseguem mandar dinheiro a
seus pais nem ganhar o suficiente para partir.
Há poucas escolas perto das minas, e, nas que existem, as aulas são
dadas nos dialetos locais, que as crianças imigrantes geralmente não
falam.
No distrito de Jaintia Hills, em Meghalaya, as minas irregulares são tão
endêmicas que boa parte da região parece uma paisagem lunar. Mas elas
dão dinheiro aos moradores da região. Suresh contou que hoje ganha entre
US$ 37 e US$ 74 por semana, um salário alto num país onde dois terços
da população vive com menos de US$ 15 semanais. Ele dá o dinheiro à sua
família.
Suresh disse que já viu pessoas morrerem. "Mas eu ainda não sofri um acidente."
"Bem", corrigiu, "uma vez eu machuquei as costas quando a lama cedeu, mas trabalhamos no dia seguinte mesmo assim".
Colaboraram Sruthi Gottipati, de Khliehriat, e Niharika Mandhana, de Nova Déli
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/mundo/1239335-apesar-das-leis-criancas-trabalham-em-minas-da-india.shtml
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