A Segunda Guerra Mundial (1939 -1945) continua gerando debates, pesquisas, discussões, filmes e livros, em especial na Europa e Estados Unidos. No Brasil essa temática vem ganhando atenção nos últimos anos, com pesquisas de mestrado e doutorado que vão além de entender a participação militar efetiva na Guerra.
Várias dessas pesquisas abrem luz a várias situações, como os campos de concentração para os presos políticos, as políticas de higienização, a força e as influências do partido nazista no Brasil, entre outras.
O texto a seguir problematiza ainda mais esse período histórico, trazendo novas questões para discussão e levantando a poeira de um passado, que muitas vezes, procura ser ignorado na história brasileira. O fim do século XIX e as primeiras quatro décadas do século XX ainda possuem muitas histórias aqui no Brasil que precisam de investigação e divulgação, nas escolas e na sociedade como um todo. Eis nosso desafio.
Infância roubada
Historiador resgata história de órfãos obrigados a trabalhar
em fazendas de nazistas e integralistas no interior de São Paulo no
início do século 20.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 28/02/2013
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Atualizado em 28/02/2013
Aloysio Silva, um dos órfãos entrevistados pelo historiador
Sidney Aguilar para seu doutorado na Unicamp. (foto: Antoninho Perri/
Ascom Unicamp)
Quando o descendente de escravos Aloysio Silva tinha 11 anos, vivia
no orfanato para meninos Educandário Romão de Mattos Duarte, no Rio de
Janeiro. Em 1932, sua infância, e a de outros garotos da instituição,
tomou um rumo diferente. Nesse ano, foi ao orfanato o fazendeiro Oswaldo
Rocha Miranda com seu motorista. No pátio, todos os órfãos estavam
reunidos quando o empregado começou a jogar balas no chão. Aloysio foi
um dos que pegaram mais doces.
O que podia parecer motivo de alegria, no entanto, se mostrou um
golpe do destino. Os meninos mais espertos, que juntaram mais balas,
foram escolhidos e levados pelo fazendeiro. “Ele chegou e mandou
encostar nós num canto lá, então separou nós como separa boi na
mangueira”, lembra. “Da minha turma, ele tirou 20 e desses 20 tirou 10,
de onde veio nós 10; ele mandou a superiora botar nós num lugar lá pra
esquecer dos outros.”
A partir desse dia, os meninos do educandário não mais foram chamados
por seus nomes, receberam números de identificação e passaram a viver e
realizar trabalhos forçados em fazendas no interior de São Paulo da
família Rocha Miranda, aristocratas que tinham aproximações com o
nazismo e o integralismo – dois movimentos políticos de extrema direita,
distintos, mas igualmente marcados pelas ideias eugenistas. Aloysio e
seus colegas foram apenas os primeiros de quase 50 órfãos, a maioria
negros, levados à força.
A descoberta dessa história ocorreu durante pesquisa feita pelo
historiador Sidney Aguilar como parte de seu doutorado na Faculdade de
Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Aguilar dava
aulas sobre a Segunda Guerra Mundial em um colégio de ensino médio
quando uma aluna disse ter visto esculpida em tijolos de uma antiga
fazenda paulista de Campina do Monte Alegre a suástica, insígnia
nazista. O professor resolveu visitar a região e lá escutou a história
dos meninos, entrevistando sobreviventes como Aloysio Silva. “O que me
chamou a atenção não foram tanto as suásticas, mas os boatos que comecei
a ouvir sobre esses órfãos e a forte presença integralista no local”,
diz.
O pesquisador conta que alguns integrantes da família Rocha Miranda
ocupavam a ‘Câmara dos Quarenta’, um dos órgãos superiores da Ação
Integralista Brasileira (AIB). Um, Renato, era amigo próximo do líder do
movimento, Plínio Salgado. Outros dois irmãos, Sérgio e Otávio,
mantinham relação direta com membros do partido nazista. Sérgio era o
dono da fazenda Cruzeiro do Sul, que exibia suásticas nos tijolos e no
gado. Já Otávio vendeu uma de suas fazendas ao criminoso de guerra e
ex-ministro do Estado nazista Alfried Krupp, que lá se instalou com
mulher e filho depois do conflito mundial.
As aproximações políticas da família que ganhou a tutela dos órfãos
chamaram a atenção de Aguilar. “Em meio a essas relações familiares e
empresariais entre adeptos do integralismo e do nazismo, havia um grupo
de 50 crianças submetidas a toda sorte de violência”, diz. “Depois de
estudar documentos da época e das fazendas da família, o que descobri
foi um projeto eugenista.”
De acordo com o pesquisador, os irmãos Rocha Miranda tinham um
propósito ideológico ao retirar esses órfãos e levá-los para suas
fazendas: queriam deixar a então capital livre de crianças negras e
pobres. “A eugenia, pseudociência que buscava ‘a raça e o indivíduo
perfeitos’, era muito forte no imaginário popular da época e, nesse
caso, se deu por meio de práticas de afirmação de certos grupos e
segregação de outros”, explica. “Nessa lógica, a transferência de
crianças negras e pobres do Rio de Janeiro para o interior de São Paulo
foi uma ação eugênica, uma vez que incidiu sobre órfãos (e para os
eugenistas era muito importante saber a origem do indivíduo) e negros,
considerados de raça inferior.”
Ao examinar documentos da época, Aguilar verificou que as
transferências dos órfãos contavam com a concordância da Igreja, que
mantinha o educandário, e do Estado, na figura do juiz que autorizou o
processo, José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, autor do primeiro
Código do Menor do país. A tutela dos meninos era passada à família
Rocha Miranda com a justificativa de que se tratava de ação filantrópica
e educativa.
Mas, segundo o historiador, ao chegar às fazendas, os órfãos tinham
apenas um ano de escola com uma professora contratada. O restante de
suas infâncias era gasto com trabalhos no campo. “Eles eram obrigados a
acordar às cinco horas da manhã e tomar banho gelado em uma piscina
coletiva mesmo no inverno”, conta Aguilar, com base nas entrevistas com
sobreviventes e seus parentes. “Eles contam que faziam fila para receber
a enxada e não podiam brincar sequer nas horas de descanso. Muitos
morreram cedo, alguns fugiram e a maioria não se casou nem teve filhos.”Momento oportuno
Nazismo e eugenia no Brasil são temas que despertam estranheza e
curiosidade. Mas ambos tiveram forte presença por aqui. O Brasil chegou a
ter o maior número de afiliados ao partido nazista fora da Alemanha. Já
a eugenia tinha um espectro político amplo, abrangendo as ideologias
nazista e integralista e até movimentos liberais e de esquerda.
Segundo o historiador Luis Edmundo de Souza Moraes, da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), o pensamento eugenista era
comum em todo o mundo no início do século 20. “Intelectuais alemães,
norte-americanos e também brasileiros muito legitimados divulgavam
ideias eugenistas. Os Estados Unidos tinham leis de eugenia desde 1907 e
vários países europeus tiveram leis de esterilização de pessoas. A
eugenia foi, no século 20, um fenômeno bem disseminado, que obviamente
teve seus expoentes no Brasil.”
As transferências de meninos órfãos do Rio de Janeiro para as
fazendas da família Rocha Miranda terminaram, coincidentemente ou não,
nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial, quando os movimentos de
extrema direita enfraqueceram. Em 1938, foi proibida a existência de
partido político estrangeiro no Brasil e, em 1942, o governo de Getúlio
Vargas declarou guerra à Alemanha nazista. Aguilar conta que nesse
momento a família Rocha Miranda mudou seu posicionamento político frente
à sociedade e chegou a oferecer um dos meninos sob sua tutela para
combater os alemães na guerra.
“Há duas versões para explicar o fim das transferências”, conta o
historiador. “Uma delas é que Oswaldo Rocha Miranda, tutor oficial das
crianças, ficou muito doente e transferiu os negócios para seu sobrinho,
que liberou os meninos, mesmo os que ainda não tinham completado a
maioridade. Mas tem outra possibilidade que é a influência do momento
histórico, pois entre 1942 e 1943 as posições políticas colocavam
integralistas e nazistas em uma situação muito delicada.”
O caso dos meninos do Educandário Romão de Mattos Duarte foi o único
desse tipo que Aguilar encontrou durante sua pesquisa. Mas o historiador
não descarta a possibilidade de que histórias semelhantes tenham
acontecido em outras fazendas brasileiras no início do século 20.
“Encontrei nas documentações eugenistas da época a ideia de que o
trabalho deveria fazer parte da educação e formação das crianças
pobres”, diz. “Esse discurso do trabalho como educação se transformava
em uma forma de exploração sistemática do trabalho infantil pelas
elites. É plausível que outros casos tenham ocorrido e sinceramente
espero que esse trabalho sirva de motivação para mais pesquisas.”
Sofia Moutinho - Ciência Hoje/ RJ
Sofia Moutinho - Ciência Hoje/ RJ
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/300/infancia-roubada/view
Professor, o que é essa "eugenia" comentada no texto?
ResponderExcluirEugenia foi uma teoria das ciências biológicas que surgiu em meados da década de 1870 e foi aceita até a década de 1940. Segundo os defensores da eugenia, a raça branca seria superior e as demais raças estariam destinadas a extinção, por serem inferiores e doentes. Defendia-se por exemplo, que a imigração de brancos para o Brasil seria a única forma de desenvolver o país e por isso (entre outros fatores) que tivemos uma forte imigração europeia para o Brasil.
ResponderExcluirDefendiam também que ocorresse a esterilização de pessoas que possuem alguma deficiência física ou mental, para evitar assim a proliferação desse mal. As ideias de raça ariana de Hitler e os campos de concentração e extermínio tiveram apoio nessas ideias.
Era uma política de saúde pública aceita pela sociedade e muito ainda que temos de discriminação e preconceito contra aqueles que fogem do padrão tido como normal vem desse período.