Metamorfoses Históricas: História, livros, músicas, cinema e motos!

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terça-feira, 7 de agosto de 2012

Antes que seja tarde por Sergio Vaz 

Se não fosse tão covarde acho que o mundo seria um lugar melhor pra viver. Não que o mundo depende só de mim para ser melhor, mas se o medo não fosse constante ajudaria as milhares de pessoas que agem pelo mundo como centelhas tentando criar uma labareda que incendiasse de entusiasmo a humanidade. Mas o que vejo refletido no espelho é um homem abatido diante das atrocidades que afetam as pessoas menos favorecidas. Porque se tivesse coragem, não aceitaria as crianças passarem fome, frio e abandono nas calçadas, essas que parecem fantasmas, nos assustam nos semáforos com armas na mão, nos pedem esmolas amontoadas em escolas que não ensinam, e por mais que elas chorem, somos imunes a essas lágrimas.
Sou um covarde diante da violência contra a mulher, da violência do homem contra o homem que só no Brasil são 50000 deles arrancados à bala do nosso pacífico planeta. Que dizer da violência contra os homossexuais que são apedrejados nas calçadas das avenidas elegantes?
E porque os índios estão tão longe da minha aldeia e suas flechas não atingem meus olhos nem meu coração, não me importo que lhe tirem suas terras, sua alma, seus rios, e analfabeto de solidariedade não sei ler sinais de fumaça, eles fazendo guerra, eu fumando o cachimbo da paz. Se tivesse um nome indígena seria cachorro medroso. 
Se fosse o tal ser humano forte que alardeio por aí, não concordaria em aceitar famílias inteiras sem ter onde morar, vagando em busca de terra. Não nasci na favela, mas meu coração é de madeira, fraco. 
A lei condena um home comum que rouba outro homem comum e o enterra na masmorra moderna, mas nada faz contra aquele político corrupto que rouba milhares de pessoas apenas com uma caneta, ou duas, e que de quatro em quatro anos a gente aperta-lhes a mão, quando na verdade devíamos cuspir-lhe na cara. E eu, como juiz sem martelo, não faço nada além de condená-lo ao meu não voto. É pouco, já que sei onde eles se entocam. A lei é cega, mas acho que lhe fizeram transplante de órgãos numa dessas votações secretas. 
Assisto a falência da educação e o massacre contra os professores e sei que muitas vezes o resultado do ensino de qualidade mínima é presídio de segurança máxima, fico em silêncio quando  a multidão desinformada pede redução da maioridade penal, porém, mal ela sabe que se não educarmos nossas crianças vão ter que prendê-las com 16 anos, depois 14, depois 12, depois, não teremos mais crianças nas ruas. E elas, as ruas, serão tão seguras que a gente vai sentir falta das crianças. Época em que os brinquedos serão visitados nos museus. 
Calado assisto a falsa democracia deste país ilegal, sem alvará de funcionamento e sem licença para ser pátria, e em emociono com o hino nacional cantado antes do jogo da seleção canarinho. 
Perdoe-me por apenas ser poeta, e ter apenas poemas como arma, ainda que ninguém me diga, sei que isso é muito pouco, quase nada. O sangue que pulsa na veia tinha que estar nos olhos. O Mundo gosta das pessoas neutras, mas só respeita as que tem atitude. Se não posso mudar o mundo deveria mudar a mim mesmo. Acho que é isso que vou fazer agora. Antes que seja tarde. 

Fonte: Caros Amigos, Ano XVI, nº 184, julho 2012, p.15

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