Um evento realizado de forma secreta e sigilosa e que somente quase 6 meses depois foi tornado público: a exumação do corpo de Dom Pedro I e suas duas esposas, sepultados em São Paulo.
Um trabalho inovador no que se refere aos estudos históricos no Brasil e que revelou algumas novas faces do Primeiro Reinado. Um trabalho que pode servir de exemplo e inspiração para outros pesquisadores em nosso país, tão carente ainda de incentivo no financiamento aos trabalhos de historiadores, que muitos vezes precisam se dividir entre a docência e a pesquisa.
Vale a pena conhecer um pouco mais desse parte de nossa história, revelada de uma forma inédita!
Caveiras ilustres
Corpos da família imperial brasileira são exumados para preservar patrimônio histórico.
Por: Henrique Kugler Publicado em 02/05/2013
Entre fevereiro e setembro de 2012, os restos mortais de Dom
Pedro I e suas duas esposas foram submetidos a diversos exames. Na
foto, o corpo exumado de Amélia de Leuchtenberg passa por uma
tomografia. (foto: Valter Muniz)
E não é que perturbaram o sono eterno do primeiro imperador do
Brasil? Os restos mortais de Dom Pedro I (1798-1834) foram exumados. E,
com eles, também saíram da cripta os corpos de suas duas esposas: as
imperatrizes Leopoldina de Habsburgo (1797-1826) e Amélia de
Leuchtenberg (1812-1873).
Foi um delicado processo; lembrou até uma operação militar. Um
sigiloso esquema de segurança foi arquitetado para o transporte dos
esquifes desde o local onde estavam – o Monumento à Independência, na
capital paulista – até o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP). Lá foram submetidos, entre fevereiro
e setembro de 2012, a exames de tomografia, radiologia e ressonância
magnética.
“O principal objetivo da exumação foi garantir a preservação dos
remanescentes humanos e dos artefatos que se encontravam nas urnas
funerárias”, diz a arqueóloga Valdirene Ambiel – o trabalho é parte de
seu mestrado, concluído em fevereiro no Museu de Arqueologia e Etnologia
da USP. “Um dado que sempre me preocupou foi a umidade presente na
capela imperial, no interior do monumento onde jazem os corpos”, diz a
pesquisadora.
Quando chove, acumula água. As paredes são preenchidas com terra. Há
infiltrações. Não que isso incomode o descanso fúnebre, mas,
considerando a preservação desse patrimônio histórico, Ambiel constatou
que há muito a se melhorar na infraestrutura do sepulcro da realeza.
Trabalharam nessa empreitada mais de uma dúzia de cientistas das mais
variadas áreas – da história à biologia, da arqueologia à física.
“Mobilização talvez inédita na pesquisa histórica e arqueológica no
Brasil”, comenta o historiador Maurício Ferreira Jr., diretor do Museu
Imperial, em Petrópolis (RJ).
Dom Pedro I: esclarecimentos e causos
Por desastrado que pareça, o paradeiro funerário de Dom Pedro I era
um tópico não muito bem resolvido. Alguns diziam que ele fora cremado.
Outros, que seus restos estariam em qualquer outro lugar que não no
Monumento à Independência. A exumação liderada por Ambiel pôs fim à
contenda. Dom Pedro I de fato está lá, em carne e osso (no caso, só em
osso). Detalhe: seu coração – como já se sabia – está preservado em um
mausoléu na Igreja da Lapa, na cidade do Porto, em Portugal.
Duas foram as confirmações obtidas com a exumação do monarca.
Primeiro: sua estatura era de algo entre 1,66m e 1,73m. “Diziam que ele
era baixinho”, brinca Ambiel. “Mas essa é uma altura bem razoável para a
época.” Segundo: ele teve quatro costelas quebradas, o que
provavelmente prejudicou o pulmão e agravou seu quadro de tuberculose –
doença que o levou à morte aos 36 anos. Conta-se que ele caiu do cavalo,
em 1823. E, em 1829, capotou uma carruagem que ele mesmo guiava –
faltou-lhe maestria na direção.
Dom Pedro I foi enterrado com vestes de general. Em seu caixão foram
encontradas medalhas, comendas, botões e abotoaduras, além de fragmentos
de tecido e o salto de sua bota. “O material foi higienizado e
acondicionado; está agora no Departamento de Patrimônio Histórico da
Prefeitura de São Paulo.” A arqueóloga pretende doar algumas das peças
ao Museu Imperial de Petrópolis – mas para isso aguarda permissão do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Leopoldina: abandono e ciência
Essa austríaca mal compreendida foi a primeira esposa de Dom Pedro I.
Portanto, a primeira imperatriz do Brasil. Casaram-se por
correspondência – como era comum aos aristocratas da época – e
conheceram-se meses depois. De acordo com a historiadora Mary Del
Priore, foi uma relação conturbada, “uma história de maus-tratos e
solidão”, escreve em seu último livro, A carne e o sangue (editora Rocco, 2012).
Entre as fofocas imperiais, conta-se que Dom Pedro I teria empurrado
Leopoldina da escada com um pontapé – quando ela estava grávida. Na
queda, segundo alguns, a imperatriz teria fraturado o fêmur. E também
perdido o bebê. “Mas, ao contrário do que registram certos livros de
história, a exumação não aponta nenhuma fratura no fêmur”, garante
Ambiel. “É bom deixar claro que esse episódio é uma lenda.” Boletins
médicos de 1826 sugerem que o feto tenha morrido em função de um aborto;
e não de um trauma.
Leopoldina foi casada durante nove anos, passou por nove gestações e
pariu sete filhos (entre eles o herdeiro do trono, Dom Pedro II). Sua
vida e sua morte até hoje dividem opiniões. Uma contribuição insuspeita,
no entanto, é frequentemente esquecida: a imperatriz foi uma das
responsáveis pela vinda, ao Brasil, da missão austríaca – sob os
auspícios da qual aportaram em nossas terras importantes zoólogos,
botânicos e artistas, que viajaram pelo país e publicaram dois
importantes clássicos: os livros Viagens pelo Brasil e Flora brasiliensis.
“Leopoldina gostava de se afirmar como uma ‘cientista amadora’”, lembra
Ambiel. “Ela era uma figura popular e querida no Brasil do século 19.”
Novo dado: segundo a exumação, ela tinha entre 1,54m e 1,60m de altura.
Amélia: nobreza mumificada
Eis que a historiografia brasileira se vê diante de uma surpresa: o
corpo de Amélia, segunda esposa de Dom Pedro I, foi mumificado. “Essa
informação era desconhecida”, diz a arqueóloga. “Não imaginávamos que
era uma múmia.” Não se sabe, entretanto, por que ela fora mumificada.
“Pode ter sido um ‘acidente de percurso’”, cogita Ambiel, referindo-se
ao fato de que, para seu funeral, o corpo foi preparado com uma solução
de cânfora que pode ter sido útil para frear o processo de decomposição.
A imperatriz morreu em Lisboa em 1876, e seu caixão foi trazido à
cripta imperial em 1982. “Foi colocado no interior das paredes do
monumento; tivemos de procurar, pois ninguém sabia sua localização
exata.” (Detalhe: no Monumento à Independência, seu nome está incorreto.
Na lápide lê-se “Maria Amélia”, mas seu primeiro nome era apenas
“Amélia”). Após os estudos – a bem conservada senhora tinha estatura
entre 1,60m e 1,66m – ela foi ‘remumificada’.
Na história do Brasil, Amélia nunca foi figura central – ela esteve
no país entre 1829 e 1831. Curto período. Mas foi o bastante para que
instituísse na corte a língua francesa. Sobre sua relação com o
imperador, Del Priore conta que era algo “sem graça”. Dom Pedro I
poderia ter muitos méritos; mas não era um galanteador de primeira
linha. “Ele não tinha assunto e falava francês muito mal”, reclama a
donzela em seu diário, após um encontro. Nas mesmas páginas, Amélia
conta que teve de “se beliscar para não dormir”. Há quem diga,
entretanto, que os dois se amavam como pombinhos. Discussão para
historiadores.
De qualquer maneira, conta-se que os últimos anos de Amélia foram
profundamente marcados pela morte do marido e da filha – ambos por
tuberculose. Enlutada em tamanha perda, dedicou-se a obras de caridade. E
assim mandou construir, na Ilha da Madeira, em Portugal, um hospital
para o tratamento de tuberculosos. O local permanece ativo até os dias
de hoje.
“A exumação dos corpos foi apenas uma primeira etapa”, diz Ambiel.
Com as amostras de DNA coletadas, novos dados poderão vir à tona. O
trabalho abre espaço para a arqueopatologia – ciência que estuda
remanescentes de doenças pretéritas –, um campo ainda pouco explorado no
país. Ainda este ano, o Museu Imperial deve publicar o trabalho de
Ambiel em forma de livro.
Também para fins de divulgação, a equipe estuda a possibilidade de
lançar um documentário. Quanto à família imperial brasileira, querelas e
intrigas históricas estão longe de um fim. “Cada historiador é livre
para pensar e publicar o que quer”, diz Ambiel. “Mas, como historiadora,
não posso acreditar em verdades.”
Henrique Kugler - Ciência Hoje/ RJ
Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/302/caveiras-ilustres
Favor alterar os créditos das imagens conforme a sua fonte. (http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/302/caveiras-ilustres) No aguardo de providencias. Att Beatriz Monteiro
ResponderExcluirPrezada Beatriz, foi realizada a atualização das informações conforme sua indicação, mas justifico que as informações foram atualizadas no site de origem em 06 de fevereiro de 2014, quase um ano após a publicação deste post neste blog. Obrigado pela contribuição e fico a disposição.
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