Metamorfoses Históricas: História, livros, músicas, cinema e motos!

Metamorfoses Históricas: História, livros, músicas, cinema e motos!



terça-feira, 27 de setembro de 2011

O fazer histórico ganhou diferentes contornos ao longo das últimas décadas, que possibilitaram novos personagens, situações e contextos entrarem em cena. Fazer parte da história não é algo mais exclusivo dos grandes personagens oficiais da história, também oficial. A reportagem abaixo nos possibilita entender um pouco destas mudanças teóricas e conceituais. 

 A vez da história oral

                                    
“A história oral conquistou definitivamente seu espaço”, acredita José Carlos Bom Meihy, um dos pioneiros no uso da técnica para reconstruir o passado. Professor titular aposentado do Departamento de História da USP e coordenador do Núcleo de Estudos em História Oral, da mesma universidade, Meihy acredita que ela tenha se tornado um elo entre a academia e a vida fora dos muros escolares. Segundo o pesquisador, o Brasil assumiu mundialmente “um papel de destaque” neste tipo de estudo. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a 

CartaCapital.

CartaCapital: Qual a situação da história oral no Brasil?

José Carlos Sebe Bom Meihy: Não seria errado dizer que assumimos mundo afora papel de destaque tanto em termos numéricos quanto na discussão teórica e produção de resultados publicados. Autores como o italiano Alessandro Portelli e o norte-americano Ronald Grele costumam repetir que o Brasil é uma caixa de ressonância dos avanços de estudos feitos sobre história oral no mundo. Aqui se reverberam tendências amplas. A ABHO, fundada em 1994, é um laboratório aglutinador de investidas que revelam a popularidade da prática que, aliás, extrapola o âmbito das universidades.

CC: Pode-se falar da existência de uma história oral brasileira?

JCSBM: A história oral apenas floresce em espaços democráticos. Durante a ditadura, entrevistas livres padeciam de limites, pois eram aproximadas dos “depoimentos”, com implicações severas. Foi apenas a partir dos anos 1980 que pesquisadores de países da América Latina ampliaram seu trabalho com entrevistas. Uma das linhas inaugurais da nossa história oral foi justamente com tipos sociais enjeitados pelo regime anterior. Assim, os primeiros trabalhos sobre história oral entre nós nasceram fora do País, versando sobre a “memória dos exilados”. A busca de compensação do “tempo perdido” sugeriu uma série de traduções que serviram para fomentar diálogos. Estudos sobre mestiçagem, presença indígena, a problemática específica da mulher brasileira e, principalmente, o resultado de processos migratórios em nossa cultura obrigaram a uma relativização dos padrões externos, ainda que muitos insistam em arremedos criticáveis. Não há como negar uma história oral feita no Brasil, mas ela tem mais a ver com a configuração de matrizes latino-americanas do que estadunidense ou europeia. Procedeu-se a uma descolonização dos modelos externos.

CC: Como definir história oral e qual sua relação com a escrita?

JCSBM: A história oral realiza-se num ciclo que parte da existência de um projeto, passa pela definição do grupo a ser entrevistado e depois de efetuada a gravação tem de ser vertida para o código escrito. É fundamental assumir a existência de dois códigos diferentes: a fala e a escrita. Mesmo projetos que se esgotam na recolha de gravações orais para se constituírem em “bancos de histórias” devem ter correspondentes escritos. O trabalho de transcrição leva em conta que entrevista é mais do que diálogo. Todo o gestual, lágrimas e silêncios fazem parte da performance.

CC: O autor da história oral é o entrevistado ou quem publica?

JCSBM: É um trabalho feito em colaboração. Duas partes se completam na produção de resultados que geram um documento. O trabalho começa com o narrador estimulado a contar. O ouvinte, além de animar a conversa, deve ser o “tradutor” da fala. Por sua vez, o texto só tem sentido se for autorizado para publicação e uso. Há, portanto, fases de controle: quem fala, quem transcreve, a autorização, que pode ser total ou parcial, mas é sempre negociada, e a publicação. Juridicamente, o responsável pelo projeto é o autor, pois se responsabiliza e se beneficia com o produto final.

CC: O que diferencia a entrevista na história oral daquelas praticadas por jornalistas, antropólogos e sociólogos?

JCSBM: Não é válido supor que gravações de entrevistas sejam invenção nova, mas os modos de produção e o destinatário divergem. Deve-se levar em conta que a entrevista jornalística tem como objetivo o esclarecimento público de algum evento. O que se busca é a combinação do caráter informativo com o testemunho. A história oral difere por se preo-cupar com a narrativa em seus aspectos subjetivos. As narrativas de história oral implicam desvios, inexatidões, variações, -deformações. Isso tudo faz parte dos efeitos da oralidade que é expressão da memória advinda de encontros no “tempo presente”. De fato, é exatamente a variação que interessa, pois, verbalmente expressa, a memória é sempre seletiva, dinâmica e suscetível. A prática da entrevista em história oral herdou muito da entrevista antropológica, mas, no caso dessa, a participação do entrevistador é mais dominante do que no caso dos oralistas. Os oralistas devotam cuidados interpessoais no estabelecimento do texto. Os sociólogos que se valem das entrevistas, por sua vez, sentem-se mais à vontade para fracionar o uso do discurso.

CC: Como tratar questões de desvios, invenções, alteração da verdade, mentira, silêncio em história oral? Ou seja, existe confiabilidade nas entrevistas?

JCSBM: A exposição dessas variações é o patrimônio maior possibilitado pela história oral. Notar “desvios”, propositais ou não, implica dar passagem para o imaginário e para a vocação utópica das narrativas. Da mesma forma, os silêncios, interrupções, fazem com que a narrativa ganhe sentido em sua significação subjetiva. Além do trabalho de “tradução” do oral para o escrito, que deve incorporar essas situações, advoga-se a qualidade do texto que deve levar em conta o receptor. Com isso critica-se o ipsis litteris, ou a transcrição dita fiel. Há critérios na produção do texto e, sobretudo, para a legitimação, ou autorização dada pelo colaborador. Essa autorização é vital para qualificar a identidade do narrador com sua expressão.

CC: Qual o futuro da história oral?

JCSBM: A história oral conquistou definitivamente seu espaço. Seja na academia, seja no âmbito da história pública, dos meios empresariais ou familiares, há lugar para trabalhos que registram e assim propõem sentido às experiências. Na universidade, reino privilegiado dos documentos escritos, a história oral demorou a se impor. Contudo, a institucionalização do trabalho com entrevistas é um fato irreversível. Por outro lado, benefício decorrente, a história oral se impôs também como elo entre o trabalho acadêmico e a vida fora dos muros escolares. Em direção contrária, também é justo apontar o reconhecimento crescente que os trabalhos comunitários têm feito, valendo-se dos ensinamentos e práticas acadêmicas.

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/carta-na-escola/a-vez-da-historia-oral

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Alunos e professores amigos no Facebook?

O universo virtual, quase como um dimensão paralela em nossas vidas, possibilita a interação entre diferentes sujeitos e a discussão que passa a ocorrer sobre os limites da virtualidade são interessantes, muitas delas. O caso citado na reportage abaixo é um inidicativo das fronteiras existentes ainda entre o mundo real e virtual e o espaço escolar, que muitas vezes limita seu mundo aos muros que cercam a escola. Sabemos como lidar com estas ferramentas virtuais e seus usos?

Alunos e professores amigos no Facebook?

Os professores são o novo alvo do Facebook, rede social que, com sete anos de vida, reúne pelo menos 750 milhões de usuários em todo o mundo – no Brasil eram 6 milhões em 2010, data do último dado oficial. De olho no universo escolar, a empresa de Mark Zuckerberg criou uma espécie de “manual de uso”. Gratuito para download, o guia Facebook for Educators (disponível ainda apenas em língua inglesa) traz 18 páginas com orientações e possibilidades de uso em sala de aula elaboradas por dois consultores em educação e tecnologia, Linda Fogg Phillips e Derek Baird, além do psicólogo BJ Fogg. A proposta chega no momento em que as questões ligadas à internet estão em efervescência na escola. Afinal, as redes sociais devem ou não ser usadas para fins educativos?

A polêmica é grande. Inclusive, em países com altíssima difusão das redes sociais, como os Estados Unidos. Para se ter uma ideia do imbróglio, o estado norte-americano do Missouri aprovou uma controversa lei que, em tese, restringe a interação entre professores e alunos em redes sociais. Apelidado de “Ato Amy Hestir de Proteção ao Estudante”, a lei proíbe que professores mantenham conversas on-line não públicas com alunos, como acontece no chat do Facebook ou via Direct Message no Twitter, por exemplo.

No Brasil, o terreno também é arenoso, já que ainda não existe uma legislação específica para a internet. No caso das redes sociais, há um contrassenso. Embora seja comum professores “adicionarem” seus alunos – e vice-versa –, na maioria das escolas Facebook, Orkut ou MSN são programas bloqueados. É possível ignorar que essa comunicação exista e separá-la do ambiente escolar? “Vivemos em uma sociedade em que estar conectado é parte da vida de todas as pessoas. A aproximação entre alunos e professores nesse contexto é possível e válida, mas é preciso pensar que tipo de relação estabelecer. Afinal, a mediação da relação entre professores e alunos é profissional”, aponta Lilian Starobinas, doutoranda da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora da Escola do Futuro. A especialista acredita que as redes sociais podem ser usadas como ferramentas pedagógicas. Além de ajudar os alunos a fazer uso consciente da rede, o professor poderia encontrar maneiras de agregar valor educacional ao uso da rede social, como, por exemplo, a criação de um perfil de personagem histórico no Facebook para interagir com os alunos.

O GUIA
Dividido em sete capítulos, o manual traz orientações que vão desde a elaboração de uma política específica para uso de redes sociais na escola até explicações que desmistificam o funcionamento da rede. No documento é possível encontrar informações detalhadas sobre o que é “perfil”, “página” e “grupo”, além de orientações sobre configurações de privacidade.

De acordo com Linda Phillips, autora também de Facebook for Parents (Facebook para Pais), “a necessidade de um guia específico que abordasse as preocupações dos educadores e ensinasse como utilizar o Facebook dentro do processo educacional era óbvia”. Lilian Starobinas ressalta que o professor precisa saber claramente a maneira de atuar nas redes sociais: “Conhecer tanto a dinâmica dos relacionamentos quanto da circulação da informação”.

REGRAS NA REDE
Conhecer melhor ferramentas como o Facebook é uma preocupação das escolas que estão buscando se conectar com as novas tecnologias. Renata Americano, coordenadora pedagógica do Fundamental I da Escola Viva, conta que, principalmente no caso dos alunos mais novos, a instituição particular localizada em São Paulo recomenda ir com calma. “A gente não tem como gerenciar tudo isso”, explica.

A necessidade de se interar sobre as redes sociais levou a escola a buscar uma consultoria jurídica no assunto. Além de conversar com os pais dos alunos, a recomendação estabelecida foi que os professores não adicionassem alunos como “amigos” em seus perfis pessoais – para os que já haviam feito isso, o pedido foi que removessem os alunos da rede de amizades virtuais. Segundo a coordenadora, a medida é cautelar. “Não somos contra a tecnologia, mas o Facebook ainda é um espaço que estamos tentando entender”, esclarece.

Também localizada em São Paulo, a escola Stance Dual optou por não restringir a interação de professores e alunos via rede social. A escola trabalha com ferramentas da internet e costuma realizar atividades com os estudantes nesses espaços há cinco anos. Apenas o MSN é bloqueado. No começo do ano, foram comprados 26 laptops para serem usados também dentro da sala de aula. Por conta disso, a escola realizou um treinamento com todos os professores, orientando-os sobre o uso das ferramentas disponíveis na rede. “É uma forma de os professores também participarem dessa formação do aluno”, defende Cláudia Mandaio, assistente de tecnologia de informação da instituição.

Apesar de não ser uma política oficial, a coordenação da Stance Dual apenas recomenda que os professores criem perfis específicos para se comunicarem com os alunos no ambiente virtual, o que evitaria a exposição da vida pessoal do educador. Foi o que fez a professora de Teatro, Barbara Araújo, ao adotar a ferramenta como suporte para a construção do roteiro de uma peça teatral. A princípio, as duas turmas do 9º ano do Ensino Fundamental optaram por escrever o roteiro com a ferramenta de edição de texto oferecida pelo Google – o Google Docs. Entretanto, como não tinham o costume de utilizar o Docs, os estudantes acabavam não interagindo entre si ou com a professora.

A solução partiu de uma aluna, que sugeriu o Facebook. Depois de criar um perfil só para a função, Barbara criou um grupo- para as classes. “Todo mundo pode escrever, participar e editar, vira um texto realmente coletivo”, analisa. Além disso, a professora aponta que o uso do Facebook agilizou a produção: “Antes precisava digitar, ler, imprimir. No Facebook eu tenho a resposta na hora, porque os alunos estão sempre lá”. No entanto, a educadora admite que a experiência não teria sido tão positiva, caso ela tivesse compartilhado seu perfil pessoal. “O Facebook ainda é um jogo entre o público e o privado”, reflete.